Jalapão Bikepacking

Jalapão Bikepacking

O começo

Essa viagem pelo Jalapão tem nome, sobrenome e apelido!  E ela não começa em 2021, mas, em 2012. Fernando Resende, o Chuck (sim, de Chuck Norris), fez essa viagem de bicicleta pela primeira vez em 2012, saindo pedalando do aeroporto de Palmas e retornando ao ponto de partida a bordo de sua La Poderosa, uma KHS de cromoly, fabricada no início dos anos 90, com seus enormes alforges. 

Em maio de 2021 falei com o Chuck e soube que ele e o Rogério, um outro velho amigo, estavam trabalhando na reedição da viagem para julho de 2021. Completando a trupe o Annibal, a Xuxu e o Matheus confirmaram presença. Depois de alguns ajustes na agenda, resolvi embarcar na expedição.

TEXTO E FOTOS
CÁSSIO PEDROSA

O planejamento

O Jalapão tem duas cidades que são as entradas do parque, Novo Acordo e Ponte Alta, e a estrada que as conecta forma um circuito em C. Sendo assim, o nosso plano era iniciar o pedal em Novo Acordo, 115 km distante da cidade de Palmas, e terminar em Ponte Alta, 146 km da capital Tocantinense.

No cronograma inicial, prevíamos pedalar 650km, saindo de Novo Acordo, percorrendo toda a extensão do Jalapão e atrativos, retornado à mesma cidade por asfalto. Mas, alguns imprevistos mudaram radicalmente nossos planos.

Dia 1 – Novo Acordo – Bar do Camilo (74 KM)

Às 06:00 da manhã as bikes estavam posicionadas em frente a pousada da Tia Lu, onde dormimos na noite anterior ao primeiro dia. Com temperatura agradável e o ar de euforia, seguimos rumo ao portal que marcava o início de nossa aventura. Naquele dia teríamos 97 km pela frente até o nosso primeiro pernoite. Acamparíamos nas margens do Rio do Sono, curso que nos acompanhou durante toda a viagem. Sabendo das possíveis complicações, inclusive do horário, estabelecemos o Bar do Camilo como alternativa de pouso.

Algumas horas pedalando, começamos então o nosso longo relacionamento com dois elementos persistentes praqueles lados: o calor e a areia. Longos trechos de areião e a temperatura escaldante faziam cada passo se tornar um esforço considerável, que nem mesmo a água, quente àquela altura, era capaz de arrefecer. Depois de longas horas de pedal, chegamos ao Rio Vermelho, no KM 49, aguardado ponto para reabastecer os reservatórios de água e refrescar o corpo. Permanecemos ali por algum tempo, comendo, nadando e já fazendo as contas da hora prevista para chegar ao Rio Sono, onde faríamos camping selvagem naquela noite.

Reservatórios cheios de água, corpo refrescado e alimentado, subimos nas bikes e seguimos. Após o Rio Vermelho os intermináveis bancos de areia pareciam mais longos e o calor mais forte, tornando o deslocamento lento e afastando a possibilidade de chegarmos antes do anoitecer no nosso pretendido pouso. Extremamente exaustos, chegamos ao Bar do Camilo às quatro da tarde. Lá permanecemos por 30 minutos bebendo coca cola gelada e analisando a possibilidade de pedalar mais 23 KM e chegar ao Rio Sono em tempo para passar uma boa noite de descanso. Soubemos pelo Camilo que os próximos 10 KM tinham bancos de areia instransponíveis sobre a bike. Imediatamente decidimos ficar ali.

Uma das maiores riquezas em viajar de bicicleta é a possibilidade de se conectar com as pessoas, e no Jalapão não foi diferente. Acampar na casa do Camilo foi a melhor escolha que poderíamos fazer naquele momento: além da estrutura de banho que desfrutamos, ouvir sua história de vida e de tantas pessoas que já passaram ali, fizeram dessa primeira noite uma experiência formidável. Após um delicioso jantar compartilhado, preparado pelo chef Rogério, algumas cervejas e duas pequenas garrafas de vinho que o Matheus levou na bike, dormimos com a meta de sair no dia seguinte às 06:00 da manhã.

Dia 02 – Bar do Camilo – São Félix Do Tocantins (82 KM)

Às cinco da manhã os despertadores tocaram e, com o céu ainda escuro, começamos a desmontar acampamento e preparar o café da manhã. Pelo ritmo do grupo, notei que sair cedo, definitivamente, seria um desafio naquela viajem. Às sete da manhã, com uma hora de atraso, um dos membros ainda estava com a barraca montada e tomando café lentamente. Era o Annibal, que ao ser indagado da tranquilidade para se aprontar nos comunicou que não seguiria viagem. No dia anterior ele teve um problema com o seu câmbio traseiro e ficou impossibilitado de utilizar a bike adequadamente, limitando o uso do sistema de marchas a apenas três variações. Com receio do que viria pela frente, ele decidiu voltar para Novo Acordo. Mal sabíamos, mas o que parecia um problema, era a solução de toda a viagem.

Após agradecer ao Camilo e ao seu filho Juan, saímos para enfrentar os 82 km até a cidade de São Félix do Tocantins e logo no início tivemos a confirmação de que seguir o planejamento inicial e acampar nas margens do Rio Sono no primeiro dia seria um erro, já que o trecho parecia um oceano de areia, a ponto de ser necessário pedalar forte até mesmo nas descidas.

Chegamos ao Rio Sono já próximo do meio-dia, um pouco debilitados devido ao dia anterior e ao longo areal que tivemos que atravessar. O lugar tem uma prainha convidativa, onde paramos para almoçar. Com 23 KM percorridos, cogitamos a possibilidade de acampar ali e aproveitar o resto da tarde. Mas, acabamos decidindo seguir viagem por julgar ser cedo demais para encerrar o deslocamento do dia.

A partir dali o trajeto passou a ser um verdadeiro martírio, parávamos a cada quilômetro, a cada sombra que encontrávamos. Rogério, Xuxu e Matheus seguiam à frente. Chuck e eu parados em uma sombra na tentativa de nos refrescar, confabulávamos o desejo de uma coca cola gelada. Subimos na bike, pedalamos alguns metros e vimos aquilo que parecia uma miragem: Um boteco no meio do nada! Nos juntamos a nossos amigos, que àquela hora já estavam aproveitando a famigerada coca cola no meio do deserto.

Enquanto curtíamos o refresco conversando com os poucos locais que estavam ali, aproveitamos para estimar a que horas chegaríamos em São Félix. Já eram 15:00 e ainda tínhamos pelo menos 40 KM pela frente. Aproveitamos a gentileza do dono do bar, que me falha o nome, que levou a Xuxu e depois o Chuck, de moto, até a sua casa com o intuito de reservar dois quartos na pousada do Paulinho. No planejamento inicial acamparíamos no fervedouro Bela Vista, mas, dado o desgaste físico e a grande probabilidade de chegarmos na cidade tarde da noite, decidimos optar por esse conforto.

Seguimos viagem e no KM 50 avistamos a Serra da Catedral, uma imponente formação rochosa que lembra a frente de uma igreja. Ali conversamos sobre o que nos esperava, os 32 KM restantes levariam cerca de 6 horas, o que faria com que a nossa chegada a São Félix fosse próxima das onze horas da noite. Falávamos sobre a possibilidade de carona, mas, sabíamos que se optássemos por essa estratégia teríamos que dividir o grupo, pois dificilmente passaria um veículo com capacidade para mais de dois ciclistas com suas bicicletas. Enquanto conversávamos, com o sol já se pondo atrás da Serra, surge no horizonte um caminhão baú, que estava atolado na areia alguns KM antes do Bar do Camilo foi desatolado por um trator e seguia levando equipamentos para um show que aconteceria em São Félix, nosso destino. Neto, o motorista, se mostrou disposto a nos levar até lá, gerando em nós um sentimento misto de euforia e alívio.

Subimos as bikes para o baú, as apoiando como era possível entre as estruturas de iluminação do show. Me acomodei próximo a uma das portas do baú, que seguiria entreaberta para que pudesse entrar, em tese, ar. Mas na verdade todo o interior do caminhão foi tomado pelo pó da estrada nas incríveis duas horas naquele duro trecho. Durante o percurso tive a oportunidade de ver o pôr do sol na Serra da Catedral e no horizonte pela porta entreaberta. As cores na transição entre dia e noite se misturou à poeira. O cansaço, potencializado pelo calor do interior do baú, fez daquele momento uma experiência meio transcendental. Chegando em São Félix, reunimos o que restou de energia para organizar algumas coisas, tomar um banho e comer um hambúrguer no Rota 22, aquele que era o único estabelecimento aberto na noite de domingo.

Dia 03 – Day OFF em São Félix do Tocantins – Fervedouro Alecrim 

A segunda feira seguinte foi reservada para organizarmos algumas coisas, descansar e conhecer algumas atrações do Jalapão. A cidade de São Félix possui vários fervedouros, o que fazia daquela pausa uma oportunidade para conhecer alguns.

Dedicamos a manhã a nos abastecer de suprimentos e depois do almoço e de algumas cervejas, decidimos ir ao fervedouro do Alecrim, distante 1 km da pousada do Paulinho. Os fervedouros no Jalapão estão localizados em áreas privadas e são explorados economicamente, com valores de entrada entre R$15,00 e R$25,00. A limitação de tempo de permanência, geralmente 20 minutos, e a limitação da quantidade de pessoas que acessam o atrativo por vez, geralmente entre 6 e 10, são características comuns a todos os fervedouros. O tempo que permanecemos no local foi suficiente para que pudéssemos aproveitar, relembrar alguns bons momentos da viagem até ali e, principalmente, conhecer o fenômeno das águas que brotam do fundo dos fervedouros.

O fervedouro Bela Vista é considerado um dos mais bonitos do Jalapão e ele estava a 3 KM da pousada e, dado o avançar da hora, acabamos por não conhecê-lo. Fomos organizar as bagagens e saímos para jantar na pizzaria Mirela. Desde que chegamos a São Félix não paramos de especular sobre a situação da estrada para os próximos dias, nos dividíamos entre otimismo e pessimismo, até que um turista deu um fim na especulação. Ele estava a bordo de uma FORD F-250 e veio de Ponte Alta até São Félix com a família. Ao ser questionado sobre a situação da estrada, não hesitou em proferir todos os adjetivos negativos que conhecia para se referir a ela. Saímos da pizzaria atordoados com a notícia e fomos direto para um dos quartos da pousada analisar as possibilidades. Depois de estudar um pouco o percurso e fazer alguns contatos em Mateiros, decidimos seguir em frente.

Dia 04 – São Félix – Camping Rota 110 (56 KM)

Todos estavam de pé às 04:00 da manhã e antes das 06:00 na estrada. Começamos o dia animados! Algumas paradas para fotografar o nascer do sol e seguíamos bem, até que de repente, no alto de uma pequena subida nos encontramos e faltava um membro, era o Rogério. Aguardamos ali por alguns minutos a sua chegada, mas, nada dele aparecer. Até que decidimos todos retornar para procurá-lo. Ele teve um problema no sistema de fixação dos alforges ao bagageiro e foi obrigado a parar. Quando o encontramos, alguns metros atrás, já tinha conseguido solucionar o problema com a ajuda de um morador local que cortou um pedaço de arame da cerca e o ajudou a fazer um reparo provisório

De volta à estrada, alguns KM à frente de onde paramos, ouvi o barulho de ar vazando, era o pneu do Rogério, que já desceu da bicicleta resmungando por ter o segundo problema em menos de 30 minutos. O Chuck e eu apoiamos a bike dele em uma pedra e já começamos a trabalhar naquele que seria o conserto de pneu mais demorado de nossas vidas. Foram 3 horas em uma confusão sem fim, que envolveu a desmontagem de duas rodas, umas cinco tentativas de remendo, espátula rasgando câmara nova e câmara 26” em roda 29”. Depois de finalizado o conserto do pneu, fizemos ali o nosso almoço e zarpamos. Alguns KM depois o reparo provisório no bagageiro cedeu e o parafuso que prendia o alforge cisalhou dentro do quadro. Uma caminhonete parou e ofereceu levá-lo junto à sua bike até o nosso destino e nós seguimos pedalando.

Um pouco mais à frente estava o povoado quilombola do Vale da Prata. Desviamos para conhecer o lugar e procurar algo gelado para beber. Era uma terça feira e as poucas casas do povoado estavam sem movimento. As pessoas que encontramos nos indicaram uma casa onde conseguiríamos almoçar. Seguimos até lá e encontramos o Sr. Juracy e sua família. Encomendamos a refeição, que seria preparada naquele momento por sua esposa, a Dona Eunice, enquanto aguardávamos conversando com as pessoas que ali estavam. O Sr. Juracy nos contava os causos do povoado e como era Jalapão no passado. Segundo ele, havia centenas de fervedouros nos quais se banhava quando criança. O almoço foi servido e àquela altura era o melhor banquete que tivemos durante a viagem, com direito a um café com grãos plantados na comunidade e muita rapadura, inclusive de buriti, uma arvore do cerrado.

Depois do farto almoço e de uma curta sesta, partimos em direção ao camping Rota 110. O tempo gasto com os problemas mecânicos e o tempo investido na convivência memorável com os nativos do Vale da Prata, certamente nos cobrariam um preço: pedalar à noite. Mas a bem da verdade, não considero que essa tenha sido uma penitência. Foi uma dádiva! Em certo momento estávamos todos juntos no meio da estrada deserta, apagamos as lanternas por alguns minutos e ficamos admirando a imensidão daquele céu estrelado. Chegamos ao camping às 20:30 e, ainda naquela noite, nos reunimos para conversar sobre o futuro da viagem. O dilema entre seguir a viagem autônomos ou aproveitar os atrativos da região era a pauta. Foi quando decidimos pedir ao Annibal que viesse a nosso encontro, para servir de carro de apoio e viabilizar a nossa ida aos atrativos e a continuidade da viagem de bicicleta. 

Acertamos os detalhes da vinda do Annibal e fomos para as nossas barracas descansar à meia noite, depois de 20 horas acordados.

 

Dia 05 – Day OFF – Cachoeira do Formiga

O cansaço do dia anterior e a privação de sono me fizeram ter a melhor noite de toda a viagem. Preparamos o café e fomos para o rio que passa dentro do camping nos divertir um pouco, já que a chegada do Annibal estava prevista para o início da tarde. O belo riacho de águas cristalinas fica em uma área gramada e arborizada muito agradável. Uma corda presa à uma arvore foi a diversão do grupo.

Às 14:30 o Annibal chegou ao camping a bordo do 4×4 do Chuck. Rapidamente nos aprontamos e seguimos para a Cachoeira do Formiga, um dos principais atrativos do Jalapão. Naquele momento tivemos a certeza de que a nossa decisão de pedir apoio foi acertada. O caminho de 12 KM que separava o camping da cachoeira era praticamente uma duna. Impossível pedalar e muito difícil de caminhar.

A Cachoeira do Formiga surpreendeu a todos com sua beleza, nos divertimos por algumas horas, mergulhando e relembrando um pouco do que vivemos até ali. Seguimos para o camping com o sol já se escondendo. No camping, a noite foi regada a cerveja e boa prosa.

Dia 06 – Day OFF – Encontro das Águas, Quilombo Mumbuca, Fervedouro do Ceiça e Fervedouro Buritizinho

Com os suprimentos já no fim, dividimos alguns biscoitos que eram vendidos no camping e preparamos um cappuccino no fogareiro antes de zarpar. O primeiro destino era o encontro das águas – ponto onde o Rio Formiga e o Rio Sono se cruzam. Mas antes, passamos pelo Quilombo Mumbuca para reservar o nosso almoço.

Chegando ao ponto final do GPS, estacionamos o carro e continuamos a pé por uma trilha que segue o curso do Rio Sono até o ponto onde há o encontro com o Rio Formiga. Deixamos nossas coisas embaixo de uma árvore e atravessamos nadando até a outra margem, onde o outro rio desaguava. Uma curiosidade do local diz respeito à temperatura da água, que pode variar muito entre um rio e outro. Permanecemos nas águas do Formiga, cuja temperatura é mais agradável. Ali desfrutamos até a fome bater. De volta ao Quilombo Mumbuca, almoçamos, tomamos sorvetes de frutas da região e dormimos nas redes embaixo de uma mangueira. A comunidade é um dos atrativos turísticos do Jalapão, sobretudo, pelo artesanato de capim dourado feito ali.

Depois da bela experiência no Quilombo, compramos alguns biscoitos para o dia seguinte em uma “vendinha” na comunidade e seguimos para o Fervedouro do Ceiça – o primeiro a ser explorado no Jalapão. Paramos o carro instantes antes de o ônibus da agência Korubo parar. Apertamos o passo na trilha que leva ao fervedouro e pegamos nossos lugares na fila, que levou uma hora. Durante esse tempo, Annibal e eu nadamos no rio ao lado enquanto os outros jogavam dama na fila. Acho que a vivência que tivemos no fervedouro do Ceiça foi uma das mais marcantes da viagem. O poço é pequeno e permite a entrada de apenas seis pessoas por vez, que era exatamente o tamanho do nosso grupo. No tempo que ficamos ali nos divertimos ininterruptamente. Saindo de lá seguimos para o Fervedouro Buritizinho, que fica ao lado do camping Rota 110. O fervedouro é ainda menor, permitindo a entrada de duas pessoas por vez. Nos surpreendeu a beleza daquele que é considerado o mais natural do Jalapão.

Dia 06 – Camping Rota 110 – Mateiros (29 KM) – Trekking Serra do Espírito Santo 

Depois de dois dias aproveitando as belezas do Jalapão, acordamos cedo, desmontamos acampamento e colocamos tudo nas bicicletas. Sim, mesmo com o carro de apoio, seguimos carregando toda a bagagem. Café tomado e partimos para aquele que seria o menor percurso de toda a viagem. Seguimos sem maiores problemas e antes das 13:00 horas estávamos em Mateiros. Chegamos antes mesmo de o Annibal sair do camping com o carro. Em Mateiros o nosso pernoite seria na casa da Késia, uma guia local que nos recebeu com um delicioso chá e beiju, uma iguaria indígena feita de fécula de mandioca. Já de banho tomado, decidimos que naquela tarde faríamos o trekking da Serra do Espírito Santo para assistir ao pôr do sol lá de cima. Vinho e queijo na mochila e pé na estrada. Mateiros está a 20 KM da Serra do Espírito Santo e dado o avançar da hora e a vontade de ver o pôr do sol lá de cima tivemos que acelerar. A subida até o platô é uma espécie de escalaminhada. O visual durante a subida é marcante. Lá no alto, um single de 3 KM ainda nos separava do mirante do pôr do sol. Apertamos o passo e rapidamente estávamos no extremo da serra, onde avista-se as famosas dunas e o sol ao fundo. Chegamos com tempo suficiente para preparar o nosso piquenique e ver o sol se por. A felicidade de estar ali parecia incontrolável e se expressava em nossa mais pura vontade de sorrir.

No retorno imprimimos o melhor ritmo que pudemos para aproveitar o pouco de luz que ainda havia. Mas, rapidamente as lanternas foram ligadas e a descida foi no breu. Durante o retorno, víamos as luzes de dezenas de carros na estrada, eram turistas com as agências, retornando do pôr do sol das dunas. Já em Mateiros, famintos, fomos para a pizzaria Bahamas Coffee. Lá conversamos sobre o próximo dia, foi quando o Chuck e o Rogério anunciaram que não mais pedalariam e seguiriam no carro de apoio. Xuxu, Matheus e eu decidimos seguir.

Dia 07 – Mateiros – Recanto das Dunas (35KM)

Sem muita pressa, montamos as bikes e saímos para procurar um lugar para tomar café. Na avenida principal avistamos uma lanchonete e, acompanhados da Késia, tivemos um farto café da manhã. Lá também estava a Talita, proprietária da FAT BIKE JALAPÃO, uma agência que guia turistas em FAT BIKES para ver o nascer do sol na Serra do Jacurutu. 

Já alimentados, seguimos de bike até uma borracharia indicada pela Késia para comprar uma câmara de ar. Mateiros é a cidade mais estruturada do Jalapão, mas não crie expectativas, pois, você não encontrará absolutamente nada para bicicletas, nem sequer uma câmara de ar. No nosso caso, o dono da borracharia tinha uma câmara de uso próprio e nos vendeu.

A estrada que seguiríamos era a mesma que passamos de carro no dia anterior. Pedalávamos em ritmo bom, com algumas paradas para descanso. Em certo ponto, depois de 15 KM e um calor extenuante, parei embaixo de uma árvore com vista para a Serra da Espírito Santo. Xuxu e Matheus seguiam à minha frente, fora do meu campo de visão, quando de repente uma caminhonete 4×4 parou. O motorista, muito carismático, me perguntou se eu precisava de algo e para onde estava indo. Respondi que se ele tivesse água gelada eu aceitaria e que eu estava indo para o Recanto Das Dunas, onde pretendia acampar. Foi então que ele, Igor, se apresentou como dono do lugar. Disse que embora lá não fosse um camping, algumas vezes ele permitia que as pessoas acampassem lá e que ajeitaria as coisas para que pudéssemos ficar. Igor abriu uma enorme caixa térmica, cheia de gelo e cerveja, que estava na caçamba da caminhonete. Peguei um pouco de gelo e uma cerveja bem gelada. Voltei para baixo da árvore e tomei a melhor cerveja da viagem.

Alguns minutos depois, encontrei meus companheiros de pedal à minha espera, contei eufórico sobre o presente que havia recebido e sobre a conversa com o Igor. Eles me disseram que ele havia parado para falar com eles também e confirmar o pernoite. Seguimos pedalando juntos até a entrada das dunas, bem em frente ao bar da Benita, famoso ponto de apoio no Jalapão. Deixei Matheus e Xuxu para trás e num ritmo alucinante venci a subida que levava até o Recanto das Dunas. Chegando lá, perto das 14:00, a música animada dava pistas de como seria o restante do nosso dia. Fui recebido pela Marcela, esposa do Igor, com outra cerveja, como reconhecimento pelo meu esforço. Felicidade transbordava pelo suor com aquela segunda cerveja, de muitas, naquele moderável dia.

O Recanto da Dunas é um bar super alto astral bem no meio do deserto. Lá os carros das agências param antes, e às vezes depois, do pôr do sol nas dunas. A vista da Serra do Espírito Santo e da vastidão do Jalapão é impressionante. Algum tempo depois de instalados no lugar, chegaram Rogerio e Chuck e nos disseram que o Annibal havia conseguido uma carona para Ponte Alta para aproveitar os atrativos por lá. Passamos uma tarde incrível, com direito a um pôr do sol cinematográfico e um ritual com cachaça de Jambu, uma erva típica da região norte do Brasil.

A noite foi um capítulo especial na minha viagem pelo Jalapão. Seduzidos pela proposta de não ter que montar a barraca, decidimos dormir nas redes, sob o céu estrelado. As noites no Jalapão são relativamente frias, com temperaturas médias entre 13° C e 20° C, mas, como estávamos com bons sacos de dormir, o frio não foi um problema. Estar ali depois de tudo que passamos durante a viagem, em especial naquele dia, era muito significativo. Passei a noite acompanhado de profundos pensamentos sobre a vida, sobre aquele momento. Olhar o céu me fazia sentir plenitude e ao mesmo tempo inquietação. Pensar na imensidão desse universo, na vida cada vez mais liquida e afastada das experiências autênticas, me fazia sonhar e ao mesmo questionar se eu conseguiria reproduzir aquele momento. Envolto em pensamentos delirantes, acordei várias vezes à noite, sendo a última às 05:00 da manhã, com uma ventania inconveniente, que jogava areia para todos os lados e que nos acompanhou até o momento de nossa partida. Tenho a impressão de que passei a noite em claro, mas, estranhamente eu me sentia muito bem.

Dia 08 – Recanto das Dunas – Cachoeira da Velha (76 KM)

Após uma longa batalha contra o vento, que insistia em jogar areia em tudo, seguimos, Matheus, Xuxu e eu, para aquela que seria a maior distância percorrida no Jalapão em um dia. Saímos do Recanto das Duas às 09:00, já cientes de que não chegaríamos até a cachoeira da velha pedalando, pois, tínhamos informações de que dali em diante a estrada estava muito ruim. O Rio Novo estava a 10 KM de onde partimos. Combinamos de parar lá para nos refrescar um pouco e encontrar com Rogério e Chuck, que sairiam um pouco mais tarde de onde dormimos. O trecho de 10 km estava praticamente impossível de pedalar e levamos incríveis 3 horas para fazer o percurso. Ao chegar no rio, que hoje é explorado economicamente, pagamos pelo ingresso e eu tratei de entrar logo na água para retornar rápido para a estrada. Ao voltar para onde estavam os demais, ouvi da Xuxu e do Matheus que eles não seguiriam mais pedalando, dada a precariedade da estrada. Mesmo sabendo que eu não chegaria até a fazenda Triago, onde está a Cachoeira da Velha, sem resgate, eu queria continuar. Perguntei ao Chuck se causaria algum transtorno se ele voltasse em minha direção ao fim do dia para me resgatar. Recebi dele o apoio e um combo de castanhas para comer durante o trajeto. Me despedi dos meus amigos e parti, sozinho.

A partir daquele ponto do Rio Novo a estrada se torna deserta, diminui drasticamente a quantidade de carros que passam e não existem mais casas ou qualquer traço de civilização. O caminho se projetava infinito em minha frente e, dos dois lados uma imensa planície desaparecia no horizonte. Os momentos seguintes me fizeram sentir euforia, medo, calma e delírio. Sentimentos que se alternaram ao longo da estrada. Pedalar se tornou raro, bem como as fontes de água, que àquela altura ferviam em minhas garrafas. Embora eu soubesse do resgate no final do dia, estar ali sozinho fazia me sentir vulnerável. É incrível como em uma aventura nos sentimos confiantes com a presença do outro. Não necessariamente estamos mais seguros na companhia de alguém, mas, parece que ter com quem dividir as decisões torna menos atordoante a dor da renúncia de todas as escolhas em detrimento de apenas uma.

Já próximo das 16:00 passei por um riacho, troquei a água das garrafas e mergulhei um pouco. Algum tempo depois os últimos carros do dia passaram em minha direção. Recebi uma lata de coca cola e um chocolate. O outro carro me deu o conselho de não acampar em qualquer lugar, pois, ali tinha onça! O sol caía no horizonte à minha frente e aguçava o medo de pedalar sozinho à noite. Depois de empurrar a bike por algum tempo, encontrei uma parte da estrada com um trecho de costelas e muitas pedras. Com a adrenalina elevada, pedalei o mais forte que pude e, já com a lanterna posicionada, esperando apenas o momento certo de ligá-la, vi o 4×4 do Chuck surgir no horizonte e senti, então, o maior alívio de toda a viagem. Fechei o dia com 50 km pedalados, exausto e muito feliz.  Ao entrar no carro fui informado da impossibilidade de acampar na Fazenda da Triago, administrada pelo estado do Tocantins e da necessidade de improvisar um lugar para a passar a noite. Com alguma criatividade, descolamos um bom local para acampar e tomar um banho.

Dia 09 – Cachoeira da Velha – Ponte Alta (88 KM)

Depois de uma boa noite de sono, acordei com algumas dores no corpo. No dia anterior já havíamos decidido encerrar o deslocamento de bike ali. O trecho que separa a Fazenda Triago de Ponte Alta era o pior de toda a viagem e, não menos importante, sem nenhuma estrutura para pernoite no meio do caminho. Pedalar os 88 KM em um só dia era impensável e expor o grupo a incerteza de onde dormir não me parecia razoável.

Decisão tomada, nos restou aproveitar a prainha da Cachoeira da Velha e no final da tarde apreciar a força de sua queda. À primeira vista a cachoeira não parece algo tão esplendido, mas, estando lá você sente a força e o voluma d’água de sua queda. Havia a possibilidade de fazer um rafting no local, mas, descansar e aproveitar lentamente o tempo nos pareceu mais promissor.

Prendemos bem as bikes na caçamba da caminhonete e, já próximo do fim da tarde, rumamos para Ponte Alta. A partir do trevo que nos levou até a Cachoeira da Velha a estrada beirava o intransitável, não apenas para bike, até mesmo para o 4×4 que nos abrigava. Já próximo a Ponte Alta paramos para apreciar a nossa última atração no Jalapão: O Cânion Sussuapara, paredões de até 25 metros de altura e muita água, uma paisagem incrível. Chegando em nosso destino foi hora de preparar tudo para pegar estrada no dia seguinte de volta para casa. Um jantar na cidade e algumas cervejas encerraram a nossa aventura.

Dicas importantes:

Ao planejar sua viagem de bike pelo Jalapão reserve tempo (pelo menos 15 dias), por dois motivos: – Os atrativos são distantes e de bike o deslocamento em mais de um atrativo por dia torna-se inviável. – Alguns deslocamentos são longos e sem alternativa de pernoite entre eles, especialmente o trecho saindo de Novo Acordo e a estrada da Fazenda Triago. Portanto, esteja preparado para camping selvagem ou vá com carro de apoio.

Esteja ciente de que, ao entrar no Jalapão de bike de forma autossuficiente, você dará início a uma verdadeira aventura. Garanta preparo bom físico e conhecimento para lidar com os desafios da estrada.

Vá!

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